Armando Luciano Carvalho Agostini

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar como a Inteligência Artificial (IA) pode colaborar com o aprimoramento do Poder Legislativo. Assim, inicialmente, apresenta-se uma breve reflexão sobre a Inteligência Artificial (IA). Em seguida, busca-se compreender o funcionamento dessa nova tecnologia “artificial” e quais são as características dos sistemas que chamamos de algoritmos. Na sequência, aponta-se para a importância da coleta de dados reais e a ampliação de suas bases, que devem revelar o comportamento de um sistema de padronização. Para isso, exige-se paramentos mais diversificados de algoritmos, que conforme são adicionados vão se acumulando e melhorando sua performance. De maneira breve, o autor descreve, no âmbito do Poder Público, como está sendo utilizada IA. E, por fim, investiga-se a possibilidade da aplicabilidade da IA no Poder Legislativo, na qual se deve buscar a implantação de plataformas de gerenciamento, que visa o fortalecimento do assessoramento técnico-institucional e especializado, bem como o aprimoramento do processo legislativo.  O método da pesquisa é o indutivo, baseando-se em uma revisão bibliográfica sobre o tema.

Palavras-chave: Inteligência Artificial. Cidades Inteligentes. Poder Judiciário. Poder Legislativo. Tecnologia.

 

Introdução

Não pairam dúvidas de que a globalização aproximou pessoas e as comunicações fizeram o mundo encolher. Foram mudanças rápidas do telégrafo para a internet, passando pelo telefone, fax, rádio e televisão. O mundo que vivemos sofre vertiginosas transformações tecnológicas, sendo que todos os dias são anunciadas novas descobertas em todas as direções, principalmente em tempos pandêmicos, quando se proíbe aglomerações para evitar o contágio pelo COVID-19. Para isso, a presença virtual é garantida pelo sistema de videoconferência, como exemplos, Zoom, Skype, entre outras tantas plataformas virtuais em que pessoas nos mais variados recantos longínquos se falam e se veem. Isso é apenas uma das formas como a tecnologia pode contribuir com a humanidade. Certamente, com a crise pandêmica surgiram novas preocupações, no entanto, muitos problemas cotidianos, novos e antigos, podem ser solucionados pela nova realidade virtual que vivemos.

Albert Einstein uma vez disse: “No meio das dificuldades encontra-se a oportunidade”[1]. Por isso, mais do que nunca, precisamos adaptar-se aos novos tempos e as novas tecnologias.

No presente trabalho, pretende-se investigar a possibilidade de se implementar a IA para modernizar o Poder Legislativo. A partir dessa problemática, busca-se compreender o funcionamento dessa tecnologia “artificial” e quais são as características dos sistemas que chamamos de algoritmos. Sendo assim, é necessário abordar alguns aspectos relacionados aos efeitos e as transformações que a inteligência artificial já está produzindo no planeta e nas vidas das pessoas. Por isso, é fundamental entender o funcionamento dessa complexa tecnologia e quais são as características dos sistemas que chamamos de algoritmos.

O autor descreve algumas considerações sobre a aplicabilidade do uso da inteligência artificial no Poder Legislativo e como essa tecnologia deve aprimorar os trabalhos das casas legislativas, fomentando o fortalecimento do assessoramento técnico-institucional e especializado, bem como a democracia participativa.

1 Inteligência Artificial

Enquanto alguns questionam os efeitos produzidos pela inteligência artificial, alegando que serão tão maléficos, que em determinado momento a máquina substituirá o homem, e, consequentemente, a causa será o desemprego maciço, outros acreditam em teorias mais catastróficas em que a raça humana sucumbirá num futuro próximo. Por outro lado, para os mais otimistas, os avanços tecnológicos serão enormes em todas as direções, mas, principalmente, porque a guerra se tornará obsoleta, a forma no mundo poderá desaparecer e a morte será apenas um problema técnico. Na sua obra intitulada “Homo Deus”, Yoval Noah HARARI[2] assevera:

[…] a princípio, os sinais são animadores. Depois de séculos combatendo a fome, vivemos um momento único em que a despeito de não ter sido completamente erradicada, hoje morre-se mais de obesidade do que de inanição. Da mesma forma, a guerra, embora, embora ainda exista, mata nos tempos atuais uma fração do que matou até o século XX. E, com o avanço da genética, teremos humanos cada vez saudáveis e uma expectativa de vida cada vez maior. Segundo algumas previsões, a própria ideia de morte pode estar com os dias contados.

Hoje, é interessante destacar que a Microsoft já desenvolveu um sistema muito sofisticado chamado “Cortana”, que é um assistente pessoal de inteligência artificial de última geração. Mas, ele não está só, pois existem também o Google Now e a Siri, da Apple, que acompanham na mesma direção. A Amazon também emprega algoritmos que estudam os seus clientes constantemente e usa tais conhecimentos para recomendar produtos. Os dispositivos como o Kindle, da Amazon, são capazes de coletar dados de seus usuários enquanto eles estão lendo um livro. Com isso, pode-se monitorar quais partes do livro que a pessoa leu depressa, quais partes são lidas mais devagar e até em quais páginas foi feita uma pausa, ou em que frase o indivíduo abandonou o livro para não mais voltar a ele. Além de sensores de reconhecimento facial e sensores biométricos, podem saber como cada frase lida influência no batimento cardíaco e na pressão arterial do leitor.

O fato é que a IA chegou e não tem mais como voltar. Ela é um ramo da ciência da computação a qual elabora dispositivos que, de alguma forma, chegam mais próximos à capacidade de raciocínio humano. Assim, a IA se caracteriza por sistemas de learning machine ou, em outras palavras, algoritmos que são treinados a partir de uma grande base de dados. Como exemplos desses algoritmos no cotidiano são os sistemas de busca, que consideram o histórico de preferência do usuário para oferecer melhores resultados, e os aplicativos que calculam rotas e são capazes de sugerir, por exemplo, o melhor caminho para voltar para casa em um dia de trânsito. Vale dizer que a IA recebe parâmetros mais ou menos diversificados de algoritmos que vão se acumulando e, conforme recebe novas atualizações, vão melhorando sua performance. Muitas cidades hoje já utilizam a IA para melhorar a mobilidade urbana, sendo primordial o controle do fluxo de trânsito, quando semáforos com câmaras sofisticadas já embutidas captam os horários de pico, tempo de espera nas filas, as condições climáticas, os acidentes em vias, etc.

Para além dessa funcionalidade, já se utiliza IA em muitos locais, como aeroportos, universidades, hospitais, supermercados, farmácias e bancos com as mais diversificadas utilidades que facilitam e aperfeiçoam as atividades diárias, como o auxílio em cirurgia de alta complexidade (robótica), segurança por meio de reconhecimento facial, melhoria em indicadores sociais e assim por diante.

Por outro lado, em sua obra “Inteligência Artificial”, Kai-Fu LEE[3] faz algumas previsões nada otimistas, alertando os países em desenvolvimento que nem tudo é um mar de rosas:

À medida que a IA espalhar seus tentáculos em todos os aspectos da vida econômica, os benefícios fluirão para esses bastiões de dados e talentos da IA. A PwC estima que os Estados Unidos e a China estão prontos para capturar 70 % (setenta por cento) dos 15, 7 trilhões de dólares que a IA irá adicionar à economia global até 2030, com a China sozinha lendo para casa 7 trilhões. Outros países só conseguirão recolher os restos, enquanto essas superpotências de IA aumentarão a produtividade em casa e colherão lucros de mercado no mundo todo. As empresas norte-americana provavelmente reivindicarão muitos mercados desenvolvidos, e os gigantes de IA da China terão uma chance de conquistar o sudoeste da Ásia, a África e Oriente Médio.

Temo que esse processo exacerbará e aumentará significativamente a divisão entre os que têm e os que não têm. Enquanto os países ricos em IA acumularam lucros extraordinário, os países que não ultrapassam certo limiar tecnológico e econômico ficarão para trás. Com a fabricação e os serviços cada fez mais feitos por máquinas inteligentes localizadas nas superpotências de IA, os países em desenvolvimento perderão a vantagem competitiva que seus antecessores usaram para dar início ao desenvolvimento: mão de obra fabril de baixa remuneração. […]

Empurrar mais pessoas para esses empregos, enquanto os ricos alavancam a IA com ganhos enormes, não criam apenas sociedade que é drasticamente desigual. Tem que também se mostre insustentável e assustadoramente instáveis.

Assim sendo, por ora, não nos restam outra opção, senão aguardar as respostas que somente o futuro nos dirá.

 2 Inteligência Artificial e o Poder Público

Sem dúvida que com o uso da IA na administração pública proporcionará qualidade e eficiência na prestação de serviços. No âmbito dos três poderes, o Poder Executivo saiu na frente, pois hoje já se aplica esse tipo de tecnologia em vários segmentos, tais como: na educação, na saúde, na segurança pública, e, principalmente, na mobilidade urbana.

Como já foi dito, a inteligência artificial possibilita que as máquinas aprendam com experiências novas, performando tarefas como seres humanos. É assim que funciona essa modernidade tecnológica, que já está presente no nosso cotidiano, porém, muitas pessoas ainda não perceberam a nova realidade planetária, principalmente, nas grandes cidades, quando o Poder Público já demarca os espaços geográficos que são palco de experiências de uso intensivo de tecnologias de comunicação e informações de gestão urbana.

“É nas cidades que as coisas acontecem”. Esta frase exprime o cotidiano das pessoas, pois é lá onde elas residem, trabalham, circulam, compram, e, se divertem. Por isso, é fundamental entender que as ações de ordenamento de uso e ocupação do solo seja planejado e organizado num plano estratégico direcionado para um futuro de cidades inteligentes em que as pessoas possam viver melhor e de maneira sustentável.

Nesse sentido, surgem novos conceitos, como, por exemplo, as “cidades inteligentes” ou “smarts cities”. De maneira ampla, a Professora Maria Teresa CANTÓ LÓPEZ[4] define “smart city” como sendo uma cidade que usa a tecnologia da informação e comunicação para tornar suas infraestruturas e seus componentes voltados a prestação de serviços públicos mais interativos e eficientes.

Além disso, os cidadãos devem estar mais conscientes deles, por meio do uso de tecnologias, o gerenciamento de infraestruturas e serviços urbanos, sendo que o objetivo é desenvolvimento sustentável, inteligente e inclusivo.

Também, é de se ressaltar a relação entre tecnologia/desenvolvimento e planejamento/gerenciamento que nos leva a uma nova perspectiva interdisciplinar de pensamento sobre o futuro das cidades. Os avanços tecnológicos afetam todos os aspectos do desenvolvimento da vida urbana: social, econômica, física, ambiental, geográfica e Governo.

Ademais, é notório que a administração das cidades pode ser cada vez mais eficiente por meio do uso de dados coletados em tempo real combinados com as habilidades da inteligência computacional. Governantes podem aprender cada vez mais sobre sua cidade e, consequentemente, aplicar esse conhecimento para melhorar infraestrutura, segurança e alocação de recursos. Isso reflete a importância que os gestores públicos definam políticas públicas, voltadas para áreas estratégicas de desenvolvimento dos municípios com apoio da participação democrática, visando melhorias nas áreas da educação, saúde, segurança pública, entre outras.

Evidente que essa percepção deve acontecer em uma cidade que conhece suas características climáticas, geomorfológicas, hidrográficas, urbanísticas e demográficas.

No Poder Judiciário, o assunto IA está cada vez mais em pauta, especialmente, após a implantação de plataformas de gestão de processos em diversos tribunais do país.

Em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a utilização de um projeto ousado, desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília (UNB), chamado “Victor”, que tem por escopo empregar a inteligência artificial para aperfeiçoar e tornar mais veloz a análise judicial de processos no STF.

Na mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pretende otimizar o uso de seus recursos humanos, quando iniciou, em junho de 2018, a implantação de um projeto-piloto para aplicar soluções de inteligência artificial nas rotinas referentes ao processo eletrônico, a fim de racionalizar o fluxo de trabalho e reduzir o tempo de tramitação dos processos. Segundo a REVISTA CONSULTOR JURÍDICO[5], a iniciativa está em funcionamento na Secretaria Judiciária do STJ para automatizar um dos primeiros passos quando a ação entra na corte. A definição do assunto do processo na classificação processual, antes mesmo da distribuição, já é discutida, conforme segue:

A ideia é que, posteriormente, sejam identificados automaticamente os dispositivos legais apontados como violados (indexação legislativa).

Nos gabinetes dos ministros, a inteligência artificial ainda poderá identificar temas jurídicos dos processos, separar casos com controvérsia idêntica e localizar ações em que sejam aplicáveis os mesmos precedentes do tribunal.

A etapa de classificação processual — uma das áreas previstas para aplicação inicial da inteligência artificial — já teve o seu funcionamento aprimorado: o Sistema Justiça tem a capacidade de “ler” os processos, ou seja, de reconhecer o texto das peças processuais para classificar de forma temática os processos.

De acordo com os resultados iniciais do projeto, o percentual de acerto da leitura e classificação automática é de 86%. Todo o projeto está sendo tocado sem custo adicional, diz o tribunal, pois as soluções são pensadas por servidores com uso de softwares livres ou desenvolvimento de tecnologias próprias.

Para que obtivesse pleno funcionamento, o processo de implementação da leitura e interpretação digital de documentos enfrentou uma série de barreiras, entre elas o processo conhecido como reconhecimento óptico de caracteres (OCR), ou seja, a tecnologia capaz de reconhecer texto em imagens. É uma das etapas mais relevantes do processo, já que muitos dos documentos recebidos pelo STJ têm o formato de imagem, que não permite a seleção automática de texto. Só após essa etapa, o sistema consegue “ler” as informações e fazer a classificação.

[…]

Com isso, buscam-se realizar atividades como a automatização da definição do assunto na classificação processual, a extração automática dos dispositivos legais apontados como violados, a identificação temática, a localização de processos em que sejam aplicáveis precedentes do tribunal, entre outras.

Para o Professor Alexandre MORAIS DA ROSA[6] a IA chegou de vez no âmbito jurídico, segundo ele:

[…] Após 30 anos do texto da Constituição da República, o desafio não é mais o de analisar o plano semântico, mas, sim, o de ampliar o modo de aprendizagem do modo constitucional de perceber o mundo, enfim, de se colocar lentes constitucionais adequadas à democracia, no eterno jogo de matizes ideológicos e de interesses econômicos. No campo da magistratura, o desafio ainda é maior em face da formação plural dos atuais componentes dos tribunais e das demandas por eficiência jurisdicional. Esta pequena reflexão, então, partindo da premissa de que o futuro da magistratura brasileira é incerto, mas deve se manter nas balizas constitucionais, aponta para o impacto da transformação digital, a saber, a magistratura 4.0, em que a tecnologia passa a compor, cada vez mais, o universo jurisdicional.

 

Ainda, nesse contexto, reforça o mencionado autor[7]:

A pretensão de construir máquinas inteligentes passa pelos desafios da tecnologia, tendo recentemente o Supremo Tribunal Federal noticiado a utilização do denominado “Victor”. Por isso, 30 anos depois, parece necessário buscar minimamente compreender o que se passa. Há um fosso entre o ensino do Direito e as novas tecnologias. Enfim, o campo da inteligência artificial pretende discutir as possíveis equivalências entre os mistérios do cérebro humano e as capacidades das máquinas. O desenvolvimento da inteligência artificial se deu por diversos caminhos e não cabe aqui fazer uma introdução à inteligência artificial. O que se pretende é indicar algumas variáveis capazes de autorizar o estabelecimento de diálogos com o campo do Direito, mais especificamente sobre a possibilidade da tomada de decisão e a predição dos resultados processuais penais.

 

Vale lembrar que os Estados Unidos da América (EUA) já utilizam a AI na atividade policial e judiciária há algum tempo. Por meio de cruzamento de dados coletados sobre determinadas pessoas, adotam políticas de policiamento específicas em algumas regiões para a desarticulação de gangues, e analisa-se a possibilidade de concessão de benefícios de execução penal.

A Consultora Jurídica Cláudia da Costa Bornard de CARVALHO[8] afirma que a Suprema Corte americana também testou a IA para prever o voto de seus juízes em alguns processos, baseando-se na pesquisa das decisões anteriores sobre determinadas matérias, havendo margem de 75% (setenta e cinco por cento) de acertos pela máquina, de forma que, possivelmente, decisões estão sendo tomadas com base no algoritmo matemático, para poupar o trabalho dos julgadores.

Em outros horizontes Kai-Fu Lee[9] relata que o sistema penal da China também segue uma tendência de avanço tecnológico, embora reconheça que existem muitas desigualdades no que tange a burocracia com níveis de especialização entre as regiões. Segundo ele:

A iFlyTek assumiu a liderança na aplicação de inteligência artificial nos tribunais, construindo ferramentas e executando um programa-piloto com base em Xangai que usa dados de casos anteriores para ajudar os juízes nas provas e sentenças. Um sistema de referência cruzada de provas usa o reconhecimento de fala e o processamento de linguagem, documentos e material de apoio – e procurar padrões factuais contraditórios. Então, o juiz para essas disputas, permitindo investigações e esclarecimentos adicionais por parte dos membros do tribunal.

Quando uma sentença é proferida, o juiz pode recorrer a outra ferramenta de inteligência artificial para obter conselhos sobre a sentença. O assistente de sentença começa com o padrão factual – ficha criminal do condenado, idade, danos causados e assim por diante -, então seus algoritmos examinam milhões de registros judiciais para casos semelhantes. Ele usa esse corpo de conhecimento para fazer recomendações para tempo de prisão ou multas a serem pagas. Os juízes também podem ver casos semelhantes como pontos de dados espalhados por um gráfico X-Y, clicando em cada ponto para ver os detalhes sobre o padrão factual que levou a sentença.

De acordo com o Lee[10], é um processo que cria consistência em um sistema com mais de 100 mil (cem mil) juízes, e pode controlar os valores discrepantes cujos padrões de sentença os colocam longe do normal. Uma província chinesa está usando a IA para classificar e criar ranking do desempenho de todos os promotores.

Vale lembrar que alguns tribunais norte-americano implementaram algoritmos semelhantes para aconselhar sobre o nível de “riscos” dos presos em liberdade condicional, embora o papel e a falta de transparência dessas ferramentas de inteligência artificial já tenham sido contestados em tribunais superiores.

Aos poucos, verificam-se que inovações tecnológicas vêm rompendo com o tradicionalismo e a estabilidade do Direito. Com tais avanços, em breve, será possível vislumbrar que a habilidade em pesquisa jurídica e na realização de tarefas repetitivas perderá espaço na determinação de qualidade ou capacidade de um profissional do Direito. Entretanto, ganharão mais destaques características como a correta implementação de estratégias jurídicas, a criatividade na formulação de teses e o planejamento adequado na resolução de problemas.

 3 Inteligência Artificial no Poder Legislativo

Nos mesmos ventos de mudanças, todos os entes da federação deverão se adequar à nova transformação tecnológica.

Todavia, não se pode desconsiderar que o primeiro passo foi dado, pois, a Consultoria Legislativa da Câmara Federal iniciou recentemente o uso de IA como segunda opção para distribuição de algumas tarefas do órgão. Com objetivo de atender o Portal da Câmara e sistemas legislativos, o chamado “Ulysses”, é o primeiro conjunto de serviços de IA idealizado pela Diretoria de Inovação e Tecnologia da Informação (Ditec) da CAMARA DOS DEPUTADOS[11].

Em vários setores de atuação dentro do Poder Legislativo a inteligência artificial seria muito bem-vinda, no sentido de aprimorar o trabalho das casas legislativas. Isso porque, é mais do que necessário o aperfeiçoamento técnico no assessoramento institucional, de maneira especial, nas assessorias parlamentares e nas consultorias legislativas.

É valido dizer que são muitas ações complexas dentro do Poder Legislativo que envolve uma gama de procedimentos norteados por regras Constitucionais e regimentais. Essa nova tecnologia pode ser utilizada para organizar reuniões, controlar prazos e fluxo de tramitações das propostas legislativas, bem como fiscalizar o cumprimento dos ditames regimentais, o que seria altamente recomendável. Por conseguinte, o controle tecnológico traria mais eficiência para os procedimentos nas deliberações e votações das proposições legislativas, entre outros atos previstos regimentalmente.

É importante lembrar que o processo de elaboração de leis se encontra, totalmente especificado, na Carta Constitucional[12], desde o momento em que se inicia, indicando quem poderá iniciá-lo, até, como será a votação, para aprovação, ou reprovação do projeto de lei. Assim, o art. 59 da Constituição Federal[13], fornece disposição geral sobre o processo legislativo, tendo em seu parágrafo único, a previsão de que uma Lei Complementar irá dispor sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Desse modo, a elaboração de uma proposta legislativa, que exige observância de Lei Complementar[14] está relacionada à técnica legislativa para formulação de atos, sendo que a IA poderia definir critérios para criação de algoritmo baseados nos parâmetros formais para construção de uma Lei, buscando a coleta de dados reais e a ampliação de suas bases, para revelar o comportamento de um sistema de padronização.

Nesse caso, o primeiro passo para entender melhor um texto legal seria conhecer a estrutura formal de uma lei. A lei não é escrita em texto corrido, como uma redação comum em prosa, e o formato que é utilizado nos textos legais tem um significado maior que a mera organização visual. Exige conteúdo organizado com objeto claro e o alcance da norma bem definido. O segundo, trata da linguagem envolvida, que exige precisão terminológica, simplicidade e concisão para construção de um Lei.

Não é uma missão fácil transformar esses parâmetros descritos acima em algoritmo, certamente, seria um grande desafio e um possível campo de atuação que a IA poderia ser utilizada para o aprimoramento na elaboração de uma lei. Com isso, a baixa qualidade de determinadas Leis produzidas nas casas legiferantes seria evitada pelo mal uso da linguagem e falta de clareza do conteúdo normativo e seu objeto, o que tem causado muita insegurança jurídica.

Outrossim, é importante entender o caráter obrigatório do cumprimento das regras impostas pelo regimento interno das Casas Legislativas, enquanto cadeia do procedimento legislativo tendente a tutelar a produção de provimentos para atingir plenas condições de regularidade. Para isso, deve-se guardar fundamentalmente a observância da lei constitucional e regimental com o assentamento na possibilidade de se desencadear o controle judicial de constitucionalidade e regularidades do processo legislativo e das leis produzidas sem a observância do devido processo legislativo. Enfim, não se pode esquecer que o processo legislativo deve estar revestido pela eficácia do controle preventivo de constitucionalidade.

Além disso, outro exemplo de aplicabilidade de IA no Poder Legislativo seria o aprimoramento de pesquisas que envolvem o conhecimento científico multidisciplinar para embasar a confecção de pareceres técnicos nas Comissões Permanentes das Casas Legislativas.

Ademais, à repercussão dos pronunciamentos e das ações parlamentares sobre os diversos temas em discussão seria uma importante contribuição para a representatividade democrática, quando amparada por precisão técnica e, sobretudo, confidencialidade pelo uso de ferramenta tecnológica de inteligência, aperfeiçoando-se os debates nas casas legislativas.

Com efeito, teríamos uma maior e melhor participação popular em que se busca uma possibilidade de rejuvenescimento da democracia representativa, inclusive para valorizá-la junto a vastos setores da população, principalmente, perante aqueles que não têm uma influência cotidiana sobre o poder político e suas decisões, tornando o processo legislativo mais atraente e transparente.

Certamente, a IA permitiria, de maneira simples e eficaz, um incremento da democracia participativa nas decisões, reforçando a legitimidade do Poder Legislativo com aceitação e consentimento público e compreensão mútua.

Infelizmente, é uma realidade nua e crua, que muitas decisões ocorridas dentro do Poder Legislativo visam causas escusas, promovendo interesses particulares de deputados, o que ofende, frontalmente, a cidadania, a soberania popular e a própria Constituição. São muitas as razões que levam o legislativo a produzir normas eivadas de vício, a partir da análise dos mecanismos internos (normas regimentais) e externos (leis constitucionais e infraconstitucionais) que orientam o processo legislativo.

Contudo, se faz necessário um exame do procedimento legislativo que legitima o exercício da produção das leis que deve estar em conformidade com o processo constitucional, configurador do devido processo legislativo. Com isso, utilizando-se IA facilitaria a visualização das falhas nas regras regimentais das Assembleias Legislativas ou Câmaras de Vereadores relativas à carência de contraditório, da ampla defesa e da isonomia.

No debate do processo legislativo é necessário para a obtenção do consenso entre os parlamentares no sentido de possibilitar o aprimoramento na elaboração legislativa, o que certamente teria o condão de viabilizar e legitimar a proposição mais democrática com o emprego da IA.

O uso de alta tecnologia no Poder legiferante brasileiro é de enorme relevância, ensejaria respostas mais rápidas e mais eficientes nas demandas dos cidadãos que buscam soluções na atuação parlamentar. É de se evidenciar a proatividade com o uso de IA nas assessorias institucionais, pois permitiria o melhoramento técnico na análise das matérias que lhe fossem distribuídas, com o intuito de oferecer ao parlamento um debate de nível elevado e transparente quanto às regras regimentais e constitucionais.

 

Considerações Finais

Neste mundo globalizado, em pleno século 21, é constrangedor saber que as pessoas, principalmente os gestores e responsáveis técnicos de áreas relacionadas com a ocupação do solo, ainda se digam surpresas pelo volume de chuvas e pelas enchentes, deslizamentos, danos materiais e, o pior, perda de vidas.

Na verdade, o que não pode ser mudado nós já sabemos: são os aspectos naturais, é o ciclo da chuva, as formas do relevo e a presença dos rios. A grande parte dos problemas urbanos ligados a inundações e enchentes ocorrem quando os padrões de ocupações e planejamento urbano não respeitam as características naturais do espaço geográfico.

Não se deve esquecer que as bases de dados e informações são acrescentadas aos montes. Não nos falta embasamento para compreender os fenômenos e descrever os processos. É um erro, portanto, não dirigir os esforços para a resolução estrutural do problema. Sendo assim, é necessário estar preparado para o futuro e entender que a incapacidade de lidar com um fenômeno sazonal, recorrente, revela a fragilidade de uma cidade e sua comunidade.

Nesse sentido, não se pode olvidar que o uso da AI trará ainda inúmeros benefícios para as áreas da educação, saúde, segurança, entre outras. É percebível que o uso da inteligência artificial será cada vez mais recorrente, não somente nas Smart Cities, mas também na rotina do cidadão como um todo. Investir em equipamentos e ferramentas eficientes permitirá que cada vez mais o aumento na qualidade de vida das pessoas.

No que tange o Poder Judiciário, já é possível ingressar com uma ação judicial com a simples indicação dos fatos em um aplicativo; participar de audiências e acompanhar o processo no celular; ter um atendimento simples, rápido e personalizado. Além disso, já se pode contar com mandados de citação sendo cumpridos rapidamente com o controle de computadores; ver audiências serem degravadas automaticamente, mesmo se realizadas em estados ou países diferentes, garantindo celeridade das sentenças; tudo isso já é realidade.

O que se verifica que os novos sistemas construídos por meio de IA e soluções tecnológicas já estão sendo trabalhados para melhorar a prestação jurisdicional no Estado que vão garantir serviços mais eficientes prestados ao público atendido pelo judiciário. Embora se reconheça que ainda falta muito para o sistema se tornar “perfeito”, o Poder Judiciário percorre um caminho para um futuro promissor.

Em relação ao Poder Legislativo, como foi visto os desafios são muitos. Assim, além da tematização automática de textos legislativos, que já está em funcionamento com o software “Ulysses”, da Câmara Federal, que também está aprendendo a fazer tradução automática, reconhecer parlamentares em fotos e vídeos, e analisar o sentimento de uma demanda parlamentar, bem como responder às perguntas de cidadãos, já é uma realidade.

Com o passar do tempo, o aprimoramento do Poder Legislativo vai ser necessário para incrementar a democracia representativa. Algumas sugestões de aplicabilidade de tecnologia de informação no parlamento seria a de como utilizar em fase de planejamento, a curto prazo, medidas que incluem reconhecimento do orador por voz, transformação automática de áudio em texto, extração de palavras-chave de documentos legislativos para aperfeiçoar pesquisas e banco de dados, bem como construir textos, fornecendo apenas parâmetros necessários para as propostas legislativas.

Quem sabe um dia veremos a sistematização de propostas de iniciativas populares, visando um fortalecimento da democracia participativa e o aperfeiçoamento na elaboração de pareceres, notas ou consultas técnicas no Parlamento elaborados por IA.

O fato é que o uso da IA não é mais uma tendência, e, sim, uma realidade. Para estar adaptado as mudanças, todos os entes da federação precisam estar atualizados e, principalmente, dispostos a se atualizarem.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Disponível em https://www.escritas.org/pt/t/26178/no-meio-da-dificuldade-encontra-se. Acessado 30.set.2020.

[2] HARARI. Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das letras, 2016.

[3] LEE, Kai-Fu. Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos. Tradução Marcelo Barbão. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019, p. 202, 204.

[4] LÓPEZ, Maria Teresa Cantó. El Marco Legal de las Smart Cities: Hacia una economía circular. Apuntes del Máster en territorio, urbanismo y sostenibilidad ambiental en el marco de la economía circular (não publicado). 2019.

[5] STJ cria sistema de inteligência artificial para agilizar processos. In: Revista Consultor Jurídico. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/stj-cria-sistema-inteligencia-artificial-agilizar-processos. Acesso em: 01 out. 2019.

[6] ROSA. Alexandre Morais da. A inteligência artificial chegou chegando: magistratura 4.0. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-13/limite-penal-inteligencia-artificial-chegou-chegando-magistratura-40. Acesso em: 10 out. 2019.

[7]   ROSA. Alexandre Morais da. A inteligência artificial chegou chegando: magistratura 4.0. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-13/limite-penal-inteligencia-artificial-chegou-chegando-magistratura-40. Acesso em: 10 out. 2019.

[8] CARVALHO, Claudia da Costa Bonard de. A inteligência artificial na Justiça dos EUA e o Direito Penal brasileiro. In: Consultor Jurídico. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-10/claudia-bonard-inteligencia-artificial-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 18 fev. 2020.

[9] LEE, Kai-Fu. Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos. Tradução Marcelo Barbão. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

[10] LEE, Kai-Fu. Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos. Tradução Marcelo Barbão. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

[11] CAMARA DOS DEPUTADOS. Consultoria Legislativa da Câmara utiliza inteligência artificial para agilizar trabalhos. Disponível em: https://www.camara.leg.br/assessoria-de-imprensa/568452-consultoria-legislativa-da-camara-utiliza-inteligencia-artificial-para-agilizar-trabalhos/. Acesso em: 14 out. 2019.

[12] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 set. 2020.

[13] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 set. 2020.

[14] BRASIL. Lei Complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp95.htm. Acesso em: 15 set. 2020.

 

Armando Luciano Carvalho Agostini